Família de Nazaré: Aborto: liberdade ou tirania?

Aborto: liberdade ou tirania?


Temos recebido muitas visitas de amigos portugueses. Naquele país, está sendo preparado um referendo a respeito do aborto. Por isso, publicamos aqui um artigo de nossa autoria aparecido no jornal Tribuna de Petrópolis há alguns meses.

Recentemente, foi publicado na Tribuna um artigo sobre o chamado “direito à maternidade”, defendendo a legalização do aborto a partir dos chamados “direitos reprodutivos”. Cuida-se de um tema que deve ser tratado com cautela, para que em seu nome não sejam cometidos atentados contra os direitos humanos, especialmente daqueles que não podem decidir por si mesmos diante da arbitrariedade dos que podem decidir.

Acreditamos que uma adequada perspectiva para interpretar tais direitos reprodutivos é o daquilo que chamaremos de “ecologia humana”. Assim como o meio ambiente é dotado de uma realidade objetiva, que deve ser respeitada, sob pena de se gerar os mais graves desequilíbrios ecológicos, também o próprio ser humano possui uma realidade que ultrapassa a arbitrariedade do poder e do domínio. Assim como todos os elementos de um ecossistema devem ser mantidos em harmonia para que todo ele se desenvolva adequadamente, também os elementos típicos do homem devem ser vistos em harmonia e não em oposição um ao outro.

Destacamos, aqui, dois desses elementos: a liberdade e a solidariedade. Os direitos e deveres humanos devem visar a que cada homem seja, ao mesmo tempo, livre e solidário. O equilíbrio entre direitos e deveres aponta para uma liberdade solidária assim como uma solidariedade na liberdade.

Os direitos reprodutivos não seriam adequadamente concebidos se a liberdade dos que podem decidir (mãe, profissionais de saúde, etc.) servisse como pretexto para a anti-solidariedade com os que ainda não o podem fazer (nascituros). A absolutização da liberdade, a ponto de subtrair a solidariedade, leva ao desequilíbrio. Tanto mais quando significa anular aquele tipo de solidariedade mais fundamental para a vida social: a solidariedade entre mãe e filho.

Por outro viés, a “ecologia humana” nos faz acreditar que os homens são, sim, capazes de criar um habitat em que possam viver e desenvolver sua personalidade em sociedade. Mas para isso, é preciso reter dois princípios jurídicos fundamentais, afirmados pela ONU: a indivisibilidade e a unidade dos direitos humanos. Esses direitos só podem ser corretamente efetivados quando respeitados de maneira integral e holística. Mais do que isso: o implemento de um deve levar ao reforço de outro, como que por retroalimentação. Assim, não pode haver oposição entre liberdade e solidariedade. Alguém que exigisse, por exemplo, “liberdade total para os contratos de trabalho” e com isso levasse à desigualdade entre capital e trabalho, estaria contrapondo um direito humano (liberdade) a outro (igualdade), o que afeta o direito-dever de solidariedade. Não se trata de contrabalançar direitos opostos, simplesmente porque não se opõem. Trata-se de compreender os direitos num sistema de integração e mútuo reforço, numa perspectiva de equilíbrio. No exemplo, tal compreensão passaria pela reinterpretação da liberdade, não como agir arbitrário ou luta cega por se impor ao outro, mas como possibilidade de realizar seu próprio interesse através da solidariedade.

Desta maneira, afirmar o aborto como um “direito“ decorrente de uma liberdade absolutizada significa sustentar que um direito humano (liberdade) pode implicar na subtração ou relativização de outro (vida) ao mero arbítrio de quem detenha o primeiro. É contrapor o “eu” ao “outro” (portanto, radicalmente anti-solidário). Em última instância, é manifestação de ceticismo na realização conjunta dos direitos humanos e de pessimismo diante do futuro e da possibilidade de que se possa de fato construir uma sociedade livre, justa e solidária para todos, e não só para os autônomos ou viáveis. Mais: é sinal de intolerância diante do outro, do inocente, do indefeso.

Opor a liberdade do “eu” à vida do “outro”, ainda que no afã de privilegiar a primeira, cria uma ruptura em todo o sistema de direitos humanos a ponto de comprometer a mesma liberdade. É fácil perceber que o “discurso da liberdade” esquece a liberdade do nascituro.

É necessário questionar, pois, o que se entende por “direito à maternidade”, quando a partir dele se deduz um direito ao aborto. A absolutização da liberdade, que chega às raias do fundamentalismo, deturpa inclusive o sentido da paternidade, maternidade, filiação. O filho passa a ser visto como um “projeto”, como fruto de uma decisão calculada, como originado de um ato de poder da vontade autônoma. Obscurece-se, assim, o sentido de alteridade do filho, como alguém que chega e surpreende, como um dom que se acolhe. Instaura-se a lógica da dominação sobre o outro.

A suposta “liberdade para abortar” é uma máscara retórica que esconde uma pretensão arbitrária, qual seja, a possibilidade de uma pessoa -até por capricho- eliminar o mais frágil e indefeso. O Direito existe para que o forte não domine sobre o fraco, para que vença não a razão da força, mas a força da razão. Pretender que a lei confira um direito potestativo a uma categoria de pessoas para eliminar ou tirar a esperança de vida de todo um outro grupo de indivíduos humanos é o contra-senso do Direito e da justiça. É um ataque à própria democracia. É pretender que se crie uma nova classe de excluídos e marginalizados: os que não podem decidir, indesejados, inconvenientes ao interesse dos que podem. É abrir espaço à tirania.

Danilo Badaró Mendonça
Mestre em Direito

6 comentários:

  1. Muito obrigado pela dica. O seu blog já foi adicionado à minha lista. Tomei a liberdade de fazer um link para o seu artigo.

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  2. Oi Danilo,

    Vim visitar seu blog, que está muito bom.

    Eu gostei do texto. Gosto muito de Viktor Frankl e ele diz exatamente a mesma coisa:

    "o ser humano é livre para assumir uma postura frente à realidade que o cerca. Todo ser humano é livre - e ninguém pode tirar do ser humano esta liberdade. “Até mesmo numa situação onde você não tem nenhuma liberdade externa, quando as circunstâncias não lhe oferecem qualquer escolha de ação, você retém a liberdade para escolher sua atitude ante uma situação trágica. Você não se desespera porque esta escolha está sempre com você até seu último momento de vida.”

    Mas esta liberdade deve ser precedida pela responsabilidade. “É por isso que eu recomendei nos EUA que, além da Estátua da Liberdade na Costa Leste, deveria haver a Estátua da Responsabilidade na Costa Oeste.”

    Ou seja: somos livres para assumirmos uma postura frente ao mundo, mas somos responsáveis por esta escolha. Temos que assumir então, em conseqüência de nossa liberdade, a responsabilidade por tais escolhas, com as conseqüências que advêm de nossas ações. Cabe a cada ser humano perceber e superar as suas culpas. Se percebemos que a vida realmente tem um sentido, percebemos também que somos úteis uns aos outros. “Ser um ser humano é trabalhar por algo além de si mesmo.”

    E é aí que reside o problema abortista: todo argumento está voltado para dentro da mulher e não em sua transcendência. Tudo o que se argumenta está relacionado ao que a mulher sente, ao que a mulher sofre ao direito da mulher. Enfim, nunca é voltado para a atitude responsável que devemos ter em frente aos imponderáveis que a vida nos proporciona.

    Um abraço,

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  3. * * *
    Prezado Amigo Danilo Mendonça

    Obrigado pelo convite sobre o seu excelente artigo em referência - « Aborto: Liberdade ou Tirania? » -, que deveras apreciei, dada a relevância e pertinência do mesmo.
    E, por isso mesmo, com o seu implícito consentimento, decidi publicá-lo também no blogue Nova Evangelização Católica.
    Espero que tenha ficado ao seu gosto, mas se houver alguma imprecisão minha e/ou sugestão sua, agradeço que me dê tal informação.

    Continue, se puder, a escrever e a publicar artigos assim, sobre o Aborto em particular ou sobre o Cristianismo em geral, o que será um riqueza especial para todos nós.

    Precisamos de Cristãos e Católicos assim, ainda mais do que de bons advogados, tal como de bons Sacerdotes e Religiosos.
    Mas, infelizmente, há cada vez menos e piores, por culpa de todos nós (embora mais de uns do que de outros).

    Rezemos, sobretudo nesta Semana dos Seminários, pelos seminários e seminaristas, assim como pelos seus mestres e professores.
    Rezemos e sacrifiquemo-nos uns pelos outros, sobretudo pelos mais carenciados e em maior perigo de eterna condenação.
    Se o fizermos com amor, a recompensa será cento por um, pelo menos, mas acima de tudo conquistaremos a Vida Eterna, pela Graça de Deus!

    Rezemos também pela Vida, mormente por todos os Nascituros em perigo iminente, agora e sempre.
    Assim como para que cada vez haja mais pessoas a favor da cultura da Vida e contra a cultura da morte.

    + DEUS ACIMA DE TUDO !
    + Virgem Mãe dos Nascituros, rogai por nós!


    Cordiais saudações pró-Vida, em Jesus, Maria e José, a Sagrada Família de Nazaré.

    José Mariano

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  4. Obrigada por ter passado no meu Velas, fiquei relamente muito honrada.O meu espaço,tal como o seu respeita, existe porque respeita a opinião de cada um dando a conhecer a nosso própria.

    Respeito o seu Não no referendo.Espero que a campanha do referendo de dia11.02.2007 seja tão clara e tão nobre como o seu texto que tanto gostei.
    Votarei Sim, respeitando me a mim e a si e todos os outros que saibam dar razões para o sentido de voto seja o SIM ou o NÃO.

    permitame que deixe uma citação no seu espaço:


    "Quem, em nome da liberdade, renuncia a ser aquilo que devia ser, já se matou em vida: é um suicida de pé. A sua existência consistirá numa perpétua fuga da única realidade que era possível."
    (José Ortega y Gasset).

    Felizmente não me parece que nenhum de nós os dois caiba nesta frase.

    BFS

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  5. Obrigado pela vista.
    Parabéns pelo excelente texto.

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  6. E o SIM ganhou o referendo. E eu defendi o SIM. Liberdade acima de tudo. Religião, Catolicismo, Igreja= DEMAGOGIA. ABAIXO O PODER ESTABELECIDO


    (SOBRE DEUS: Http://semdemoras.blogs.sapo.pt TOMA E EMBRULHA)

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