Ensinando as crianças a pensar e a conviver
SEGURA, Manuel. Como ensinar as crianças a conviver. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
O autor é doutor em Pedagogia, Ciências da Educação e Filosofia, tendo estudado em Barcelona e na Inglaterra. Foi professor de Psicologia Educativa na Universidade de La Laguna, Espanha, e ministra a professores de ensino fundamental e médio diversos cursos sobre competência social.
Para o autor, um programa educacional eficaz deve levar em conta quatro aspectos em conjunto: cognição, habilidades sociais, emocional e crescimento moral. O aspecto da cognição retrata a importância de aprender a pensar: "Mais do que propor muitos conteúdos e informações, o importante é ensinar os filhos e os alunos a pensarem". O aspecto das habilidades sociais é o treinamento em diversos hábitos importantes para a convivência, especialmente a assertividade. "Ser assertivo quer dizer ser justo e eficaz na relação interpessoal, evitando os dois extremos: o da passividade tímida (que é nos calar e não fazer nada quando deveríamos falar ou agir), e o da agressividade violenta (que é insultar ou agredir os outros, sem respeitar sua dignidade e seus direitos)". O aspecto emocional em um programa educacional dá atenção à educação emocional. "O trabalho educacional na família e na escola não pretende reprimir as emoções, mas conhecê-las, saber utilizá-las para o desenvolvimento e a motivação pessoal e também para aprender a controlá-las quando forem se tornar uma ameaça para nós". Finalmente, o quarto aspecto, o do crescimento moral, dá atenção à educação em valores morais.
O aspecto cognitivo é abordado nos três capítulos iniciais de que trata esse resumo. Saber pensar, ter uma forma de ver as coisas com objetividade, e saber expressar isso é muito importante. Especialmente, diante dos inevitáveis conflitos da vida cotidiana.
O aspecto cognitivo
Não há um único tipo de inteligência, mas oito. "Todos nós temos essas oito inteligências, pelo menos no embrião, mas o normal é termos três ou quatro mais desenvolvidas". Para nos relacionarmos bem, precisamos desenvolver duas delas: a inteligência intrapessoal e a inteligência interpessoal (os outros tipos de inteligência são as inteligências linguística, matemática, espacial, cinestésica, musical e ecológica).
A inteligência intrapessoal é a capacidade de se entender a si mesmo, controlar-se e motivar-se. Eu diria que se trata do autoconhecimento, condição prévia para o autodomínio. Sem ela, não é possível desenvolver a inteligência interpessoal, que, segundo o autor, é especificamente aquela que nos auxilia na resolução dos conflitos da vida e na boa convivência. A inteligência interpessoal é a capacidade de se colocar no lugar dos outros e de se relacionar bem com eles.
Deve ficar claro para pais, professores, adolescentes, crianças, que ser inteligente não é só ser capaz de produzir conhecimentos técnicos ou científicos, mas também ser capaz de conviver bem ou de resolver conflitos. “Também é inteligência levar uma boa relação de casal durante toda a vida”, diz o autor.
Conviver bem supõe a capacidade de solucionar conflitos, porque esses são inerentes à vida. Uma boa casa não é uma casa sem conflitos, mas onde os conflitos se resolvem. Resolver conflitos nos amadurece, mas para isso é necessário saber pensar. A literatura sobre resolução de conflitos é, segundo o autor, quase unânime em apontar cinco passos para um reto pensar diante dos conflitos. Um resumo desses cinco passos está logo abaixo, sempre intercalados com a minha experiência de pai com essa cor aqui.
1. Pensamento causal: é necessário diagnosticar bem um problema, assinalar quais as suas verdadeiras causas. Exemplifico: se falta dinheiro, talvez o problema não seja o descontrole da esposa, mas a ocorrência de gastos imprevistos. Se o pai não levou o filho no parque, talvez o problema não seja que o pai não quis levá-lo, mas que tenha chovido no dia. Para diagnosticar bem o problema, é fundamental ter informação e saber interpretá-la.
Para isso, precisamos de maturidade e objetividade. Daí a necessidade de treinarmos, nós mesmos e nossos filhos ou alunos, a separar muito bem o que é um fato do que é uma opinião, ou algo que imaginamos, ou um desejo, ou um medo. Precisamos distinguir o que é o problema em si, do que é o problema em mim (aquilo que eu sinto, aquilo que eu suponho, aquilo que eu gostaria, etc.). Em termos interpessoais, “temos de prestar muita atenção aos detalhes, às palavras que nos dizem, ao tom com que são ditas, e ao rosto que as pessoas têm quando nos dizem essas palavras. Precisamos de informação e precisamos saber ‘lê-la’ com objetividade”.
Para ir ajudando meu filho a ter esse pensamento causal, sempre lhe pergunto: "Por que isso aconteceu?" Se ele derrubou suco de uva em sua camisa, por que isso aconteceu? Se a irmãzinha está chorando, por que isso aconteceu? Se eu estou nervoso, por que isso aconteceu?
2. Pensamento alternativo: é a capacidade de imaginar diversas causas e diversas soluções para o problema, e não apenas uma ou duas. “Sempre existem várias soluções possíveis [e causas possíveis] para qualquer problema ou conflito”. Pode também ser chamado de pensamento criativo, pela capacidade de imaginação que supõe. Embora elencado em segundo lugar, o autor afirma que o pensamento alternativo é “com certeza” o mais importante e o primeiro de que precisamos para atingir uma relação humana correta. É necessário para diagnosticar bem o problema, para não nos apegarmos à primeira ideia que pode nos vir à cabeça quando procuramos descobrir as causas de um problema e, por isso, é mais básico do que o pensamento causal.
Mas também é necessário para tomar as decisões, para escolher entre as diversas possibilidades de ação. Para exercitar esse pensamento, pode-se colocar em alguma situação, real ou imaginária, e anotar o maior número de decisões que podem ser tomadas (inclusive o não fazer nada). Uma vez expostas todas as decisões possíveis, é necessário escolher a melhor ou a menos pior, à luz dos critérios da eficácia e da justiça: eficácia, para tomar a decisão que de fato resolva o problema, e não para varrê-lo para debaixo do tapete; justiça, para que a decisão não fira direitos ou a dignidade de alguém.
Descobri uma maneira boa para treinar isso com meu filho. Suponha que ele tenha acabado de chegar da videolocadora com um filme novo. Eu, que estava em casa, não percebo, e pergunto a ele se ele quer tomar banho. Ele diz "Não!" Mas, descobri que, na verdade, não é que ele não queira tomar banho, apenas não quer tomar banho naquela hora. Daí eu pergunto: "que tal ver o filme agora e depois tomar banho?"
Situação curiosa: isso se voltou noutro dia contra mim. Eu estava com muito sono, e queria fazê-lo dormir logo. Eu já tinha me preparado para ler história para ele, na esperança de ele dormir logo, e de repente ele pede: "Papai, faz um leitinho para mim?" Eu, um pouco irritado pelo cansaço, disse: "João Paulo, você escolhe: ou a história ou o leite!" E ele respondeu: "Papai, que tal o leite e depois a história?"
E já vi que ele tem usado esse tipo de pensamento alternativo nos momentos em que os colegas querem impor uma brincadeira. Ele cede e diz: "Que tal essa sua brincadeira e depois a minha?", e isso resolve os problemas.
3. Pensamento de consequência: através dele, procura-se imaginar, “com a maior exatidão possível, quais vão ser minhas reações depois de dizer ou de fazer tal coisa, e quais serão as reações dos outros”. São as possíveis consequências que determinam qual a melhor solução entre todas as alternativas. “Será melhor a que tiver consequencias mais benéficas ou pelo menos mais aceitáveis, ou menos ruins para mim e para as outras pessoas”. Esse tipo de pensamento se aprimora com a maturidade. Com crianças pequenas, podemos brincar de perguntar “o que aconteceria se...”, começando com consequencias físicas (“o que aconteceria se eu colocasse a mão no fogo?”), mas depois passando para o interpessoal (“o que aconteceria se nós disséssemos sempre a verdade?”).
Temos obstáculos culturais a serem vencidos aqui. “A televisão, a internet, os videogames, a procura pela gratificação imediata (que se vê tanto nas crianças pequenas e nos drogados, e que está em todos), não facilitam muito o pensamento de consequencia. Estamos nos acostumando a não ver o que pode ser visto e ficamos cegos diante do futuro”, tanto o mais imediato quando o mais distante.
Na convivência com as meninas da casa (a mamãe e a irmãzinha, de 1 ano), é muito fácil pedir ao meu filho para imaginar qual será a reação delas se ele gritar, ou se ele deixar o sapato fora do lugar, etc. Ele tem apenas 3 anos e meio, mas já está aprendendo que as pessoas reagem às suas atitudes.
4. Pensamento de perspectiva: é a capacidade de se colocar no lugar do outro. “Consiste em ver as coisas do ponto de vista do outro, da perspectiva do outro”. Não se trata de ceder ao que o outro pensa ou deseja, mas apenas de ver como o outro vê para entender seu ponto de vista e suas reações (e ceder apenas se isso for mais correto). É, “sem dúvida alguma, a mais importante condição para nos relacionarmos bem”.
É uma capacidade mais desenvolvida nas mulheres, e há quem afirme que essa é a razão de a mulher cometer menos delitos do que o homem (12% contra 88%, estatística norteamericana). Estudiosos procuram entender o motivo de essa capacidade estar mais desenvolvida nas mulheres, sendo que o autor apresenta duas hipóteses adotadas pelos pesquisadores: porque historicamente é ela quem toma conta de outras pessoas mais frequentemente do que o homem, ou porque historicamente foi mais dominada e quem está nessa situação cria estratégias mentais para entender as reações do seu senhor (essa segunda hipótese se baseia em outra constatação, a de que os negros americanos têm essa capacidade de perspectiva mais aguçada do que os brancos, talvez pelo mesmo motivo de terem sido dominados). O fato é que tais hipóteses revelariam que essa não é uma característica natural na mulher, mas cultural. E, sendo assim, os homens também podem ser educados a desenvolver, tanto quanto as mulheres, essa capacidade. Segundo o autor, o pensamento em perspectiva “não é uma qualidade feminina e sim uma característica humana, plenamente humana”.
Alguns afirmam que essa capacidade só se desenvolve depois dos cinco anos, razão pela qual eu não estou utilizando metodicamente com meu filho.
5. Pensamento meio-fim: é a capacidade que temos de nos colocar objetivos claros, de priorizá-los segundo uma boa hierarquia de valores e de saber procurar os meios para atingi-los. Citando M. Csikszentmihalyi, “viver é ter objetivos e conviver é compartilhar objetivos”. Quando não temos objetivos claros, perdemos muito tempo. Quando não os priorizamos adequadamente, corremos o risco de não fazer o que é mais importante. “Eu acho, diz o autor, que a nossa época é um tempo de muitos meios (os meios técnicos, por exemplo, são cada vez mais frequentes em todos os campos das nossas vidas), mas não se encaixam em objetivos claros”. E eu acrescentaria que essa pode ser uma das razões mais profundas do consumismo marcante em nossa cultura. Note como esse pensamento, bem como os anteriores, supõe a inteligência intrapessoal: saber quais os objetivos mais importantes para mim supõe saber quem eu sou.
É importante ensinar os filhos e alunos a identificar os seus valores, pois isso é essencial para que eles identifiquem seus objetivos na vida. A partir daí, ensiná-los a planejar. Otimismo e pessimismo diante dos desafios são coisas que as crianças aprendem, por isso devemos ensiná-las a ser otimistas.
Por enquanto, não tenho visto oportunidades para ajudar meu filho a fazer isso. Alguma idéia aí?
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