Texto original do New York Times. A tradução em português é oferecida pelo UOL exclusivamente a seus assinantes.
De Mireya Navarro
John e Julie Casserly, ambos advogados em Saint Paul, aguardam há 11 meses pela conclusão da adoção de uma menina guatemalteca a qual deram o nome de Ruby Rosario. Mas eles dizem estar com medo de checar as mensagens por e-mail ou atender ao telefone. É sempre alguma atualização de sua agência de adoção informando sobre a mais recente suspensão do processo ou alguma outra notícia ruim.
Em 2005, quando decidiram pela primeira vez adotar um bebê guatemalteco, o casal enfrentou o nervosismo habitual, sem contar a enorme burocracia. Mas nada daquele estresse, disse o casal, se compara ao que estão passando agora.
Para a primeira adoção, "era uma questão de quando", disse Julie Casserly, 37 anos. "Desta vez, é uma questão de 'se'".
Especialistas em adoção dizem que as adoções internacionais se tornaram mais difíceis. Ocorreram escândalos de tráfico de crianças em países que enviam grande quantidades de crianças para famílias adotivas nos Estados Unidos, regras mais rígidas segundo um tratado internacional que entrou em vigor em abril nos Estados Unidos, e uma mudança em muitos países, incluindo China, Rússia e Coréia do Sul, visando mais adoções domésticas.
Adoções, mesmo aquelas já em andamento como a dos Casserlys, foram temporariamente suspensas na Guatemala, enquanto o país tenta limpar um sistema controlado por intermediários privados, muitos deles acusados de vender bebês.
"É uma conseqüência do mundo estar prestando atenção às adoções internacionais de uma forma como nunca fez antes", disse Adam Pertman, o diretor executivo do Instituto de Adoção Evan B. Donaldson, uma organização de pesquisa e defesa, sobre a situação. "Agora é um processo altamente vigiado".
O mundo começou a observar à medida que as adoções internacionais mais que triplicaram desde o início dos anos 90, atingindo até 22.884 em 2004 nos Estados Unidos, que registram mais adoções internacionais do que todos os demais países somados. Mas o número dessas adoções têm decrescido constantemente ao longo dos últimos três anos, para 19.400 em 2007, e especialistas em adoção esperam que o declínio continuará por vários anos.
"Os dias da China enviar 7 mil crianças para os Estados Unidos são coisa do passado", disse Chuck Johnson, vice-presidente de treinamento e serviços do Conselho Nacional para Adoção, em Alexandria, Virgínia. "Nós tivemos que trabalhar arduamente para obter 19 mil, mas os países estão dificultando a adoção dessas crianças."
Uma grande mudança na paisagem das adoções é a Convenção de Haia para Adoção Internacional, um tratado envolvendo mais de 70 países e recentemente assinado pelos Estados Unidos. Ela estabelece novas exigências de credenciamento para as agências de adoção e proteções contra o tráfico de crianças. Muitos no campo da adoção esperam que o tratado impeça o comércio que surgiu em muitos países à medida que cresciam as adoções internacionais. No final, a regulamentação deverá beneficiar as crianças e aqueles que desejam adotá-las.
Mas apesar do número de adoções poder no final voltar a crescer, muitos pais potenciais foram pegos pela turbulência atual, apesar de já terem avançado o suficiente no processo de adoção a ponto de terem comprado lares maiores, móbiles e enxovais para as crianças.
Jennifer e Lloyd Komatsu, de Saint Paul, deram início à papelada para uma adoção no Vietnã em 2006. Eles agora temem a perda de uma criança após um processo emocionalmente desgastante de dois anos.
O Vietnã parou de aceitar pedidos de adoção neste ano após uma investigação da embaixada americana ter apontado muitos casos em que pais pobres foram enganados ou pagos para colocarem as crianças em orfanatos.
Em muitos casos, disse um relatório da embaixada, "os responsáveis pelo orfanato diziam que a criança visitaria seu lar com freqüência, voltaria para casa assim que atingisse uma certa idade (freqüentemente 11 ou 12 anos) ou enviaria remessas de dinheiro dos Estados Unidos".
O relatório incluiu a história de uma mãe que não tinha recursos para pagar por sua cesariana. Ela foi informada pelo hospital que seu bebê tinha sido transferido para um orfanato para um tratamento vitalício "para água no cérebro". Na verdade, o orfanato colocou o bebê saudável para adoção.
O acordo de adoção entre os dois países, que expirará em setembro, não deverá ser renovado.
Os Komatsus, que dirigem um centro de resgate de cães de caça em seu lar, disseram que imaginaram que uma adoção internacional seria mais previsível do que uma adoção doméstica. Mas um processo que esperavam que levaria nove meses ainda não lhes rendeu uma criança. A espera, entretanto, não os impediu de se juntarem a grupos vietnamitas locais, de escutarem fitas de língua vietnamita e de prepararem um playground com escorregadores e balanços, que está pronto há mais de um ano. Um quarto está pronto para uma garota que esperam que terá entre 18 meses e 4 anos.
As alegações de roubo de crianças são "preocupantes", disse Lloyd Komatsu, 52 anos, que tem um filho de 14 anos de um casamento anterior e que trabalha como coordenador de avaliação de um distrito escolar. Mas ele disse que ele e sua esposa se sentiam seguros por terem escolhido uma agência de boa reputação e porque, na opinião deles, um pequeno número de casos de corrupção foram ampliados desproporcionalmente.
Todavia, eles tiveram que dar algumas explicações. "Alguns conhecidos perguntaram, 'Que coisas são essas envolvendo o Vietnã?'" disse Lloyd Komatsu. "Isso está no radar das pessoas e aumentou ainda mais nosso fardo emocional".
Outros pais adotivos potenciais disseram que controvérsias semelhantes em outros países criaram um ambiente hostil. Um casal americano branco que atualmente busca adotar na África -para onde se mudaram temporariamente, para fornecer um lar provisório à criança que desejam adotar- disse que encontraram resistência tanto dos tribunais quanto de estranhos na rua.
"Há uma suspeita automática", disse o candidato a pai adotivo, que falou sob a condição de que seu nome e o do país onde está adotando não fossem revelados, por temer que isso pudesse atrapalhar o caso em andamento. "Muitas pessoas urbanas ricas olham para você de modo engraçado, tipo, 'o que estão fazendo com essa criança?' Em alguns casos eles disseram: 'Por que não devolvem a criança para a mãe?', quando na verdade não há mãe e nem pai."
A publicidade em torno de celebridades como Madonna, que em maio adotou um menino em Maláui, também não ajuda, disseram alguns pais. Críticos em Maláui a acusaram de contornar as leis de adoção do país e receber o tipo de tratamento especial que gera dúvidas em relação a outras adoções por estrangeiros.
"O caso da Madonna acabou conosco", disse o homem que tenta adotar na África. "Ela não passou pelo processo apropriado, como foi retratado pela mídia, de forma que as pessoas presumem que americanos estão vindo e tirando crianças de seus pais. A meta da maioria dos pais adotivos é na verdade fornecer um lar para uma criança que não tem família conhecida."
John e Julie Casserly, que recorreram à adoção internacional com a noção de que o processo seria mais rápido do que nos Estados Unidos, disseram que criaram um laço com a menina de 11 meses por meio de fotos e de uma carta da mãe biológica. Em fevereiro, o casal e seu filho, James Carlos, 3 anos, se mudaram para uma casa maior, uma com um quarto para a menina e um foto emoldurada dela na sala de estar, disse Julie Casserly.
Mas a Guatemala, que só perde para a China em número de crianças enviadas para os Estados Unidos (4.728 no ano passado), está no meio da condução de entrevistas com as mães biológicas para confirmar que elas entregaram voluntariamente seus filhos.
Kjersti Olson, diretora de adoção internacional da Children's Home Society & Family Services, a agência dos Casserlys, disse que casos de falta de ética devem ser investigados. Mas, ela acrescentou, "é realmente importante colocar um fim à corrupção sem colocar um fim ao direito da criança a uma família. As crianças não têm para onde ir no momento."
Pior do que seu senso de impotência, disseram os Casserlys, é imaginar o que poderá acontecer com a garota, que está em um lar provisório, caso a adoção não dê certo.
"Se houver lares guatemaltecos capazes de cuidar dessas crianças, isso é ótimo", disse John Casserly.
Mas ele acrescentou: "Caso contrário, há pessoas em Minnesota que desejam".
Tradução: George El Khouri Andolfato
De Mireya Navarro
John e Julie Casserly, ambos advogados em Saint Paul, aguardam há 11 meses pela conclusão da adoção de uma menina guatemalteca a qual deram o nome de Ruby Rosario. Mas eles dizem estar com medo de checar as mensagens por e-mail ou atender ao telefone. É sempre alguma atualização de sua agência de adoção informando sobre a mais recente suspensão do processo ou alguma outra notícia ruim.
Em 2005, quando decidiram pela primeira vez adotar um bebê guatemalteco, o casal enfrentou o nervosismo habitual, sem contar a enorme burocracia. Mas nada daquele estresse, disse o casal, se compara ao que estão passando agora.
Para a primeira adoção, "era uma questão de quando", disse Julie Casserly, 37 anos. "Desta vez, é uma questão de 'se'".
Especialistas em adoção dizem que as adoções internacionais se tornaram mais difíceis. Ocorreram escândalos de tráfico de crianças em países que enviam grande quantidades de crianças para famílias adotivas nos Estados Unidos, regras mais rígidas segundo um tratado internacional que entrou em vigor em abril nos Estados Unidos, e uma mudança em muitos países, incluindo China, Rússia e Coréia do Sul, visando mais adoções domésticas.
Adoções, mesmo aquelas já em andamento como a dos Casserlys, foram temporariamente suspensas na Guatemala, enquanto o país tenta limpar um sistema controlado por intermediários privados, muitos deles acusados de vender bebês.
"É uma conseqüência do mundo estar prestando atenção às adoções internacionais de uma forma como nunca fez antes", disse Adam Pertman, o diretor executivo do Instituto de Adoção Evan B. Donaldson, uma organização de pesquisa e defesa, sobre a situação. "Agora é um processo altamente vigiado".
O mundo começou a observar à medida que as adoções internacionais mais que triplicaram desde o início dos anos 90, atingindo até 22.884 em 2004 nos Estados Unidos, que registram mais adoções internacionais do que todos os demais países somados. Mas o número dessas adoções têm decrescido constantemente ao longo dos últimos três anos, para 19.400 em 2007, e especialistas em adoção esperam que o declínio continuará por vários anos.
"Os dias da China enviar 7 mil crianças para os Estados Unidos são coisa do passado", disse Chuck Johnson, vice-presidente de treinamento e serviços do Conselho Nacional para Adoção, em Alexandria, Virgínia. "Nós tivemos que trabalhar arduamente para obter 19 mil, mas os países estão dificultando a adoção dessas crianças."
Uma grande mudança na paisagem das adoções é a Convenção de Haia para Adoção Internacional, um tratado envolvendo mais de 70 países e recentemente assinado pelos Estados Unidos. Ela estabelece novas exigências de credenciamento para as agências de adoção e proteções contra o tráfico de crianças. Muitos no campo da adoção esperam que o tratado impeça o comércio que surgiu em muitos países à medida que cresciam as adoções internacionais. No final, a regulamentação deverá beneficiar as crianças e aqueles que desejam adotá-las.
Mas apesar do número de adoções poder no final voltar a crescer, muitos pais potenciais foram pegos pela turbulência atual, apesar de já terem avançado o suficiente no processo de adoção a ponto de terem comprado lares maiores, móbiles e enxovais para as crianças.
Jennifer e Lloyd Komatsu, de Saint Paul, deram início à papelada para uma adoção no Vietnã em 2006. Eles agora temem a perda de uma criança após um processo emocionalmente desgastante de dois anos.
O Vietnã parou de aceitar pedidos de adoção neste ano após uma investigação da embaixada americana ter apontado muitos casos em que pais pobres foram enganados ou pagos para colocarem as crianças em orfanatos.
Em muitos casos, disse um relatório da embaixada, "os responsáveis pelo orfanato diziam que a criança visitaria seu lar com freqüência, voltaria para casa assim que atingisse uma certa idade (freqüentemente 11 ou 12 anos) ou enviaria remessas de dinheiro dos Estados Unidos".
O relatório incluiu a história de uma mãe que não tinha recursos para pagar por sua cesariana. Ela foi informada pelo hospital que seu bebê tinha sido transferido para um orfanato para um tratamento vitalício "para água no cérebro". Na verdade, o orfanato colocou o bebê saudável para adoção.
O acordo de adoção entre os dois países, que expirará em setembro, não deverá ser renovado.
Os Komatsus, que dirigem um centro de resgate de cães de caça em seu lar, disseram que imaginaram que uma adoção internacional seria mais previsível do que uma adoção doméstica. Mas um processo que esperavam que levaria nove meses ainda não lhes rendeu uma criança. A espera, entretanto, não os impediu de se juntarem a grupos vietnamitas locais, de escutarem fitas de língua vietnamita e de prepararem um playground com escorregadores e balanços, que está pronto há mais de um ano. Um quarto está pronto para uma garota que esperam que terá entre 18 meses e 4 anos.
As alegações de roubo de crianças são "preocupantes", disse Lloyd Komatsu, 52 anos, que tem um filho de 14 anos de um casamento anterior e que trabalha como coordenador de avaliação de um distrito escolar. Mas ele disse que ele e sua esposa se sentiam seguros por terem escolhido uma agência de boa reputação e porque, na opinião deles, um pequeno número de casos de corrupção foram ampliados desproporcionalmente.
Todavia, eles tiveram que dar algumas explicações. "Alguns conhecidos perguntaram, 'Que coisas são essas envolvendo o Vietnã?'" disse Lloyd Komatsu. "Isso está no radar das pessoas e aumentou ainda mais nosso fardo emocional".
Outros pais adotivos potenciais disseram que controvérsias semelhantes em outros países criaram um ambiente hostil. Um casal americano branco que atualmente busca adotar na África -para onde se mudaram temporariamente, para fornecer um lar provisório à criança que desejam adotar- disse que encontraram resistência tanto dos tribunais quanto de estranhos na rua.
"Há uma suspeita automática", disse o candidato a pai adotivo, que falou sob a condição de que seu nome e o do país onde está adotando não fossem revelados, por temer que isso pudesse atrapalhar o caso em andamento. "Muitas pessoas urbanas ricas olham para você de modo engraçado, tipo, 'o que estão fazendo com essa criança?' Em alguns casos eles disseram: 'Por que não devolvem a criança para a mãe?', quando na verdade não há mãe e nem pai."
A publicidade em torno de celebridades como Madonna, que em maio adotou um menino em Maláui, também não ajuda, disseram alguns pais. Críticos em Maláui a acusaram de contornar as leis de adoção do país e receber o tipo de tratamento especial que gera dúvidas em relação a outras adoções por estrangeiros.
"O caso da Madonna acabou conosco", disse o homem que tenta adotar na África. "Ela não passou pelo processo apropriado, como foi retratado pela mídia, de forma que as pessoas presumem que americanos estão vindo e tirando crianças de seus pais. A meta da maioria dos pais adotivos é na verdade fornecer um lar para uma criança que não tem família conhecida."
John e Julie Casserly, que recorreram à adoção internacional com a noção de que o processo seria mais rápido do que nos Estados Unidos, disseram que criaram um laço com a menina de 11 meses por meio de fotos e de uma carta da mãe biológica. Em fevereiro, o casal e seu filho, James Carlos, 3 anos, se mudaram para uma casa maior, uma com um quarto para a menina e um foto emoldurada dela na sala de estar, disse Julie Casserly.
Mas a Guatemala, que só perde para a China em número de crianças enviadas para os Estados Unidos (4.728 no ano passado), está no meio da condução de entrevistas com as mães biológicas para confirmar que elas entregaram voluntariamente seus filhos.
Kjersti Olson, diretora de adoção internacional da Children's Home Society & Family Services, a agência dos Casserlys, disse que casos de falta de ética devem ser investigados. Mas, ela acrescentou, "é realmente importante colocar um fim à corrupção sem colocar um fim ao direito da criança a uma família. As crianças não têm para onde ir no momento."
Pior do que seu senso de impotência, disseram os Casserlys, é imaginar o que poderá acontecer com a garota, que está em um lar provisório, caso a adoção não dê certo.
"Se houver lares guatemaltecos capazes de cuidar dessas crianças, isso é ótimo", disse John Casserly.
Mas ele acrescentou: "Caso contrário, há pessoas em Minnesota que desejam".
Tradução: George El Khouri Andolfato
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