Família de Nazaré: Não há justiça sem perdão

Não há justiça sem perdão

Para onde se encaminham os familiares das vítimas do vôo da TAM?

Revolta. Indignação. Ódio. Sentimentos como esses surgem quase espontaneamente do coração humano diante da tragédia que abalou nosso país nesses dias. Como se não bastasse a dor da tragédia em si, o sofrimento é exarcebado por autoridades públicas que fazem gestos obscenos, dizem palavras obscenas, refugiam-se ou em silêncio obsceno ou em retórica obscena.

Neste momento, é quase natural do espírito humano revoltar-se e sentir ódio. Quase.

Há um canto litúrgico muito popular aqui no Brasil que diz: "Um coração para amar, para perdoar e sentir, para chorar e sorrir, ao me criar Tu me deste". Natural, no coração humano, como diz essa canção, é o amor e o perdão. Não o ódio que pregam alguns. Fruto do pecado que é, o ódio não é natural, não nos faz bem. Ele entorpece, asfixia, não permite que o Espírito Santo nos console, nos afasta de Deus e do amor até mesmo pelos parentes que se foram. E, claro, como ninguém pode querer um mal assim, o pai da mentira costuma apresentá-lo a nós travestido como desejo de justiça.

Desejamos justiça, porque antes de tudo desejamos Deus. Mas para que não fiquemos com a "nossa versão da justiça" (uma das milhares de maneiras de cairmos na antiga tentação "sereis como deuses"), é preciso mergulharmos naquele que é a fonte e o fundamento da justiça, Jesus. É aqui que devemos lembrar as palavras do Papa João Paulo II, pouco após o 11 de setembro de 2001: não há justiça sem perdão. Ninguém experimentará a paz se permite que o demônio (pai da mentira e do ódio) devore seu coração, azede suas lembranças dos parentes, instigue à revolta contra quem quer que seja.

Hoje eu li num jornal que o Presidente da TAM estava na missa celebrada na Catedral da Sé, que chorou pelo acidente, mas foi chamado por familiares de "nojento". Também há uma notícia relatando como a mãe de uma vítima reagiu ao ver autoridades presentes na mesma missa:
Uma mãe se indignou, teve uma crise de choro e foi até uma das saídas laterais da igreja. "Não é justo eles estarem parados aqui enquanto minha filha está dentro de um frigorífico. Não consigo ficar de braços cruzados", reclamava Tereza Maliszewski, mãe da analista de sistemas Katiane Maliszewski Lima, 32, um dos nomes da lista de mortos no acidente.
Lembrei-me que uma fórmula utilizada logo no início da missa, convidando os fiéis ao arrependimento, é esta: "O Senhor Jesus disse: 'Quem dentre vós estiver sem pecado, que atire a primeira pedra'". Essa mãe, e todos os demais presentes, foram (e ainda são) convidados a reconhecer os próprios pecados, a pedir o perdão pelos responsáveis da tragédia, para assim sintonizar o seu coração dolorido ao Coração de Jesus, que do alto da cruz bradou: "Pai, perdoai-lhes...".

Esse convite ao perdão pode parecer longe de nossas forças humanas (já tão debilitadas pelo pecado neste vale de lágrimas), mas o Consolador vem em nosso auxílio. Com ele podemos perdoar como Cristo perdoou, e, desta maneira, entrar com ele na alegria da Ressurreição.

É preciso rezar por todos os envolvidos. Será que envolvidos são apenas os outros? Como lembrava o Papa João Paulo II, existe um aspecto social de cada pecado nosso:
Falar de pecado social quer dizer, primeiro que tudo, reconhecer que, em virtude de uma solidariedade humana tão misteriosa e imperceptível quanto real e concreta, o pecado de cada um se repercute, de algum modo, sobre os outros. Está nisto uma outra faceta daquela solidariedade que, a nível religioso, se desenvolve no profundo e magnífico mistério da Comunhão dos Santos, graças à qual se pode dizer que «cada alma que se eleva, eleva o mundo». A esta lei da elevação corresponde, infelizmente, a lei da descida, de tal modo que se pode falar de uma comunhão no pecado, em razão da qual uma alma que se rebaixa pelo pecado arrasta consigo a Igreja, e, de certa maneira, o mundo inteiro. Por outras palavras não há nenhum pecado, mesmo o mais íntimo e secreto, o mais estritamente individual, que diga respeito exclusivamente àquele que o comete. Todo o pecado se repercute, com maior ou menor veemência, com maior ou menor dano, em toda a estrutura eclesial e em toda a família humana. Segundo esta primeira acepção, a cada pecado pode atribuir-se indiscutivelmente o carácter de pecado social (Exortação Apostólica Reconciliação e Penitência, n. 16)
Diante disso, não podemos pensar que os responsáveis são apenas aqueles que a imprensa aponta. Não. Se estamos falando de pecado -e, afinal, não é esta a raiz de todo ato de descaso, preguiça, prepotência, obscenidade?-, lembremos que também acaba por colaborar com o mal o pecado que você cometeu ali na esquina com seus olhos, ou aquele que eu cometi na cozinha com meus pensamentos. Todo pecado individual poderia ser qualificado com as palavras que vemos hoje nos jornais -descaso, injustiça, vergonha-, pois todo pecado é um ato de descaso.

Pedir perdão por todas as vezes que não cuidamos de nossas responsabilidades pessoais e pelas vezes que as autoridades preferem a obscenidade. Foi por ver esses nossos pecados que Jesus suou sangue nos Horto das Oliveiras! Foi por cada ovelha -também pelas que se desgarram pelo mundo da burocracia- que o Bom Pastor deu a vida!!

Nós, católicos, somos chamados a ser ministros da Reconciliação e não da revolta. Peçamos a Deus que seu amor vença o ódio.

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