Pages

16 abril 2007

A Igreja achava que os índios não tinham alma?

É uma das grandes e numerosas inverdades que alguns livros didáticos apresentam para nossas crianças. Chegando o dia do índio (19 de abril), penso ser oportuno levantar essa questão para que observemos o material didático de nossos filhos e procuremos restabelecer a verdade para eles.

Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em ecologia e pesquisador do Embrapa, escreveu o artigo Em defesa dos indefesos, no jornal Ciência e Fé. Ali, afirma:

Em abril, comemora-se o dia do Índio. Existem muitas lendas. Já escrevemos aqui sobre uma delas, segundo a qual, no momento da descoberta da América, a Igreja teria discutido se os índios eram seres humanos, com alma. A tese era relevante pois permitiria escravizá-los. Quem defendia tal tese, eram os verdadeiros desalmados. E com eles, a Igreja discutiu e enfrentou-se. Sua defesa dos povos indígenas foi uma constante, até hoje.

Apesar dos relatos poéticos e enfáticos de Pero Vaz de Caminha sobre os gentios da Terra de Santa Cruz, os índios foram escravizados, mesmo se defendidos pelos padres. O Papa Paulo III (veja gravura ao lado) foi obrigado a intervir, a sustentar seus missionários, a sua Igreja e a afirmar, solenemente, em sua bula Sublimis Deus, de 1537, que os índios eram homens e tinham alma. E naquele tempo, uma bula papal contava muito mais do que nos dias de hoje. Era como se fosse uma espécie de resolução da assembléia geral da ONU. Aliás, a bula Sublimis Deus é considerada pelos juristas a primeira declaração universal dos direitos humanos, enfrentando grupos que só viam seus interesses, lucros e negócios.

Essa Carta Magna dos índios, proclamou solenemente: "Nós, ainda que indignos, exercemos na terra o poder de Nosso Senhor (...) consideramos que os índios são verdadeiros homens". Sabendo daqueles que desejavam impedir a atuação da Igreja junto aos índios, obstaculizar sua defesa e evitar a denúncia de seus crimes contra grupos indefesos, o Papa afirmava que os índios "não somente são capazes de entender a fé católica, como, de acordo com nossas informações, acham-se desejosos de recebê-la."

Na defesa de seus direitos e de seus bens, o Papa agregava em sua bula "que os ditos índios e todas as outras gentes (...) ainda que estejam fora da Fé de Cristo não haverão de ser privados de sua liberdade e do domínio de suas coisas, antes bem podem livre e licitamente usar, possuir e usufruir de tal liberdade e domínio, e não se deve reduzi-los a servidão".

Essa bula papal é considerada por juristas um marco que deu início ao direito internacional no mundo moderno. Ela foi a primeira proclamação intercontinental dos direitos inerentes a todos os homens e da liberdade das nações, acima dos sistemas políticos e interesses econômicos. A Igreja e, em seguida, a legislação portuguesa vão defender o direito originário dos indígenas independentemente da tutela do Estado ou de quem quer que seja.

(...)

Em 22 de abril de 1639, na data em que festeja-se o descobrimento do Brasil, o Papa Urbano VIII expediu um Breve (Commissum Nobis) proibindo, sob pena de excomunhão, "cativar os sobreditos índios, vendê-los, comprá-los, trocá-los, dá-los, apartá-los de suas mulheres e filhos, privá-los de seus bens e fazenda, levá-los e mandá-los para outros lugares, privá-los de qualquer modo da liberdade, retê-los na servidão e dar a quem isto fizer, conselho, ajuda, favor e obra, com qualquer pretexto e color, ou pregar, ou ensinar que seja isso lícito, ou cooperar no sobredito".

Essa resolução papal detonou revoltas, lideradas por Câmaras municipais, em São Paulo, Santos e Rio de Janeiro. Padres jesuítas foram expulsos de seus colégios e sofreram barbaridades. Os índios eram usados como serviçais domésticos e na agricultura. A população branca era toda católica "de modo que as disposições da Igreja, se não impediram de todo o comércio de escravos naqueles centros, dificultaram a organização de novas bandeiras de preia". O rei da Espanha, atendendo às súplicas dos jesuítas, autorizou o uso pelos índios de armas de fogo nas Missões paraguaias. Elas terão participação decisiva em várias derrotas dos paulistas escravizadores de índios, como nas batalhas de Caaçapá-Guazú e em Mbororé em 1641.

Num século neopagão como o nosso, os simplismos de certos manuais de história e o abuso de pessoas de má fé, ditas evangélicas, contra a Igreja devem trazer a memória um conhecimento mínimo dos fatos e da coragem de pontífices como Paulo III e Urbano VIII, e de seus missionários.

Mírian Macedo escreveu o artigo Luta sem classe em 01 de abril, no site Escola sem partido. Ali, ela diz que acabou de tirar sua filha de 14 anos do colégio Pentágono/COC (unidade Morumbi-São Paulo) em protesto contra o método pedagógico adotado pela escola. Em um trecho, escreve:

As apostilas de História e Geografia, pontilhadas de frases-epígrafes de Karl Marx e escritas em 'português ruim', contêm gravíssimos erros de informação e falsificação de dados históricos. Não passam, na verdade, de escancarados panfletos esquerdejosos que as frases abaixo, copiadas literalmente, exemplificam bem:

"Sabemos que a história é escrita pelo vencedor; daí o derrotado sempre ser apresentado como culpado ou condições de inferioridade (sic). Podemos tomar como exemplo a escravidão no Brasil, justificada pela condição de inferioridade do negro, colocado (sic) como animal, pois era ‘desprovido de alma’. Como catequizar um animal? Além da Igreja, que legitimou tal sandice, a quem mais interessava tamanha besteira? Aos comerciantes do tráfico de escravos e aos proprietários rurais. Assim, o negro dava lucro ao comerciante, como mercadoria, e ao latifundiário, como trabalhador. A história pode, dessa forma, ser manipulada para justificar e legitimar os interesses das camadas dominantes em uma determinada época".

Sandice é dizer que a Igreja legitimou a escravidão. Em 1537, o Papa Paulo III publicou a Bula Veritas Ipsa (também chamada Sublimis Deus), condenando a escravidão dos 'índios e as mais gentes'. Dizia o documento, aqui transcrito em português da época que "com authoridade Apostolica, pello teor das presentes, determinamos, & declaramos, que os ditos Indios, & todas as mais gentes que daqui em diante vierem á noticia dos Christãos, ainda que estejão fóra da Fé de Christo, não estão privados, nem devem sello, de sua liberdade, nem do dominio de seus bens, & que não devem ser reduzidos a servidão".

Se você tem interesse em se aprofundar no assunto, veja também o interessante texto de 81 páginas A Igreja e os índios, de Jean Dumont, traduzido ao português por Joel Tang Jr.

Leia o livro de história de seu filho. Se encontrar alguma acusação infundada contra a Igreja, converse com o professor de história, peça para que ensine seus alunos sobre os fatos verdadeiros. E, claro, não deixe de conversar também com seu filho!


3 comentários:

  1. Gostaria de comunica-los que devido a lentidão insuportável do blog.com o Apologeta esta agora em novo endereço.

    http://apologeta.blogspot.com

    Peço o favor de corrigir a indicação do mesmo em sua lista de links, e agradeço a gentileza de nos incluir nela.

    Obrigado

    ResponderExcluir
  2. Caro Amigo:
    Escolhi este seu post para "O melhor dos blogues".
    Obrigado pela lição!

    ResponderExcluir
  3. Realmente é assim, quem duvidar leia o tratado de S. Idelfonso ou o Tratado de Tordesillas e constatará que o Vaticano incumbe a sagrada missão de catequizar podendo matar ou escravizar todos os povos a serem dominados na África e em terras a serem descobertas.
    A justificativa é que na bíblia diz ".........que os descendentes de Cain seriam escravizados até o final dos tempos .............."
    Os interesses eram as taxas dos escravos que os reis (Por vontade de Deus) recebiam e repassavam uma parte para o Vaticano, (ou o clero protestante se for o caso)
    Ameaça poderiam ter sido as civilizações americanas, com outros deuses e conhecimentos que contradizem as idéias bíblicas(sem dilúvio universal, sem inferno e paraíso, sem Adão e Eva, sabiam que a terra era redonda, e de deuses que "viajavam" no céu e estrelas entre outras coisas.
    Acho que o maior crime do cristianismo foi justamente a extinção de centenas de raças e culturas em nome de Cristo, uma vergonha para a humanidade.

    * 11 meses atrás

    ResponderExcluir

O que você acha dessa postagem?