Fico impressionado como os meios de comunicação têm a capacidade de requentar, vez por outra, o tema dos custos que um filho pode trazer.
O jornal O Globo desde domingo (edição de 22/10/2006) volta - mais uma vez - a este assunto, publicando matéria chamada Quanto vale um neto? A matéria foi publicada no suplemento Revista da TV, p. 12. O tema central é o desenvolvimento da novela Páginas da Vida, em que uma personagem pretenderá devolver seu neto ao pai biológico, recebendo em troca a importância de R$ 1 milhão. Na mesma página, aparece um quadro chamado Na ponta do lápis, e é aí que volta a ser tocado o tema do custo de um filho.
É matéria batida. Já havia sido publicada pelo Globo On Line de 09/10/2006, com a chamada Ter um filho custa mais de R$ 1 milhão. Na verdade, sequer esta última reportagem era original, pois se trata de uma reedição de uma antiga, publicada na Revista Época, semanário do mesmo grupo empresarial (edição de 11/07/2005), entitulado Felizes e sem herdeiros.
É um tema que não deixa de despertar a curiosidade do grande público. Chega até a ser motivo de brincadeiras: com o jornal em uma mão e o óculos em outra, meu pai mesmo me disse que se eu e meu irmão devolvermos metade do investimento, ele já ficará satisfeito. Claro que eu aproveitei para cutucar meu irmão, dizendo que ele não valia tanto assim, que era para o meu pai procurar o Procon. Tenho certeza que outras famílias também puderam ter um momento divertido por causa da reportagem.
Mas existe um lado sério, muito sério nessa insistência da imprensa.
Qualquer pai, qualquer mãe, sabe muito bem que o ponto de vista econômico não é a perspectiva justa para se avaliar o valor de um filho. Claro que ninguém desconhece que um filho traz despesas. Mas a insistência de reportagens como essa acaba por reforçar na mentalidade comum que um filho é algo incômodo, é alguém que vem tirar dos pais sua liberdade. Acaba por reforçar aquilo que o Papa João Paulo II chamava de "cultura da morte". Nesse contexto, não deveria espantar que 43% das mulheres brasileiras já tenham se esterilizado, e o total daquelas que não desejam ter filhos chega a 79%!
É importante que os pais adestrem o olhar do seu coração, para ver em profundidade a realidade das coisas e especialmente a realidade dos filhos. Sua origem não pertence aos pais, tampouco seu destino. Nas maternidades, é comum ouvir os pais (mesmo os pouco ou nada religiosos) agradecendo a Deus pelo dom da vida. Pena que, com o passar do tempo, essa intuição do mistério do homem fica adormecida na memória. Mas trata-se de uma tomada de consciência clara de que o filho é um dom que vem do alto, não o fruto de cálculos e da mera decisão humana.
Aqui está um ponto central nessa questão. Com o crescente conhecimento e domínio do ser humano sobre a natureza, especialmente sobre a procriação humana, cresce nossa consciência de responsabilidade. E isso é positivo. Decorre daí o salutar conceito de paternidade responsável.
O que não se pode aceitar é reduzir todo o tema da paternidade responsável à decisão humana. Seria a perda do sentido mais profundo da geração dos filhos, cujas raízes se encontram na decisão de Deus de chamar do nada um novo ser humano. Diante do mistério de um filho, de certa forma somos chamados a fazer o mesmo que Moisés diante da sarça ardente: retirar nossas sandálias dos pés, pois estamos pisando em terreno sagrado. Em outras palavras, é necessário ser reverentes, preservando nossa capacidade de ver a realidade de forma ampla e integral, o que significa se libertar do materialismo e incluir a dimensão da transcendência. Isso é fruto da pureza do coração.
Assim, perspectiva apropriada para se avaliar o valor de um filho é o da transcendência da pessoa humana, feita à imagem e semelhança do Altíssimo e chamada à santidade em Cristo. Seu filho é um mistério, e esse mistério só fica esclarecido por outro mistério: o do Verbo Encarnado, Cristo, que tornando-se semelhante ao seu filho em tudo, menos no pecado, revela a altíssima vocação que seu filho tem (Gaudium et spes, 22).
Não podemos aceitar, portanto, a forma reducionista de se abordar a acolhida de filhos apenas do ponto de vista da economia, do cálculo custo-benefício (do tipo: "bem, o filho dá trabalho, mas também traz alegrias" - isso não deixa de ser uma forma de cálculo custo-benefício). Reducionista, porque exclui todo um aspecto da realidade, que é o aspecto da transcendência da pessoa, de sua origem e de sua vocação eterna. É essa perda de sentido que leva àquilo que chamamos em outro artigo de crise do amor e da esperança.
É tarefa da família cristã anunciar a beleza e o valor da vida humana. Comecemos por nós mesmos, purificando o nosso olhar para vermos a realidade como ela é (transcendente), o que nos permitirá entender que o filho é o maior tesouro de um casal, e que uma família de muitos filhos é sinal de bênção. Daí, poderemos cumprir a promessa feita no dia do nosso matrimônio: estaremos dispostos a acolher todos os filhos que o Senhor quiser nos confiar.
Assim seremos livres do materialismo, que nos induz a acreditar que a segurança de nossas vidas estaria na posse dos bens deste mundo. Seremos capazes de, usando os bens que passam, abraçar os que não passam. Conquistaremos a consciência do nosso próprio valor diante de Deus e poderemos dizer junto com Santo Estanislau Kostka, padroeiro da Polônia, mesmo diante de dez vezes R$ 1 milhão: ad maiora natus sum. Eu nasci para coisas maiores.
Os filhos tem de ser pensados com o coração e não com a carteira!
ResponderExcluirO que me espanta não é isso estar na imprensa. O que me espanta é um número cada vez de pessoas que ao saber que alguém tem 2 ou 3 filhos, que esta pessoa irá quase passar fome para educar os filhos, quase merecendo um prêmio da loteria - ou então, que já ganhou tal prêmio e por isso o número avantajado de filhos.
ResponderExcluirEste quadro estarrecedor, é mais um dentre tantos atentados a vida e a família que vem ocorrendo nos últimos tempos. Assim como a legalização do aborto em alguns países, e tramitação no nosso, e ainda o casamento entre homossexuais; os bancos de sêmem espalhados pelo mundo comercializando a vida, e as inúmeras experiências biogenéticas. E provavelmente a mais danosa, por ocorrer em escala grandiosa: A "Orfanização" de nossas crianças de pais vivos. O abandono a merce dos devastadores programas de TV, de pessoas incapazes de substituir a educação e formação que são deveres dos pais,que pecam por inversão de prioridades. E isto ocorre em todas as classes sociais, dos mais necessitados, aos mais abastados.
ResponderExcluirO tema do artigo é mais um dos grandes desafios da família cristã no mundo atual.