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30 setembro 2006

Poucos filhos: crise do amor e da esperança

Um dos piores problemas que o mundo enfrenta hoje é a falta de nascimento de crianças. Poucos países têm hoje o índice de natalidade de 2,1 filhos/mulher, o mínimo necessário para a população se manter estável. Todos os paises da Europa estão com índices muito abaixo disso, assim, a população começa a diminuir e faltam braços jovens para o trabalho e para manter a Previdência Social. Cresce assustadoramente o número de velhos e de aposentados, que custam muito ao pais. Isto gera a necessidade de aproveitar os imigrantes no trabalho. Os governos da Europa e do Japão fazem campanhas e pagam os casais para terem mais filhos.

Este controle drástico da natalidade tem uma razão profunda revelada pelo Papa Bento XVI no dia 28 de abril, em uma mensagem dirigida aos participantes da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, disse: que “a queda da natalidade é conseqüência de uma crise de amor.”

De fato, somente uma sociedade “doente” não quer mais ter filhos.

Disse o Pontífice que: “Esta situação é o resultado de uma série de causas múltiplas e complexas”, cujas “razões últimas são morais e espirituais; estão relacionadas com uma preocupante perda de fé, de esperança e de amor”.

Em outras palavras podemos dizer que a falta de Deus na vida dos casais é o que gera o medo de ter filhos. Diz o Papa: “Possivelmente a falta de um amor criativo e aberto à esperança é o motivo pelo que muitos casais não se casam, ou explica porquê fracassam tantos matrimônios e porquê os índices de natalidade diminuíram notavelmente”. O Santo Padre afirmou que as crianças e os jovens, “freqüentemente, em vez de sentir carinho e de sentir-se amados, são simplesmente tolerados”. “Em um mundo caracterizado por processos de globalização cada vez mais rápidos, estão expostos unicamente a uma visão materialista do universo, da vida e da realização humana”.

O Catecismo da Igreja ensina que:“A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja vêem nas famílias numerosas um sinal da bênção divina e da generosidade dos pais” (CIC, 2373; GS, 50,2).

“A fecundidade é um dom, um fim do matrimônio, porque o amor conjugal tende a ser fecundo... A Igreja ‘está ao lado da vida’, e ensina que qualquer ato matrimonial deve estar aberto à transmissão da vida” (CIC, 2366 ).“Os filhos são o dom mais excelente do Matrimônio e constituem um benefício máximo para os próprios pais” (CIC, 2378). Como cristãos não podemos fechar os olhos para este ensinamento da Igreja.

O renomado historiador francês, professor da Sorbonne, Pierre Chaunu, na entrevista que deu à revista VEJA, de 11.07.84 (há 22 anos!), sob o título “A Caminho do Desastre”, já afirmava, entre tantos outros alertas contra o controle da natalidade, que “estamos no limiar de um mundo de velhos” e que a humanidade corre o risco de ver a “implosão da espécie humana”. E mais:“Há quinze anos entramos num processo catastrófico. As taxas de natalidade caíram tanto nos países industrializados que já não somos capazes sequer de repor a geração atual “. “Na França já se constrói mais ataúdes do que berços”. Mas será que falta alimentação no mundo? Não. O Relatório da ONU intitulado Estado da População Mundial, em 1987, afirmou: “Depois da revolução verde, da biotecnologia, não se duvida mais que haja condições para acabar com a fome no mundo” (Folha de São Paulo, 15/06/87).

O mesmo Relatório da ONU ainda afirmava:“Há 453 milhões de toneladas de trigo, arroz e grãos estocados em todo o mundo, e os agricultores dos Estados Unidos e da Europa Ocidental são pagos para não produzir”.

A Folha de São Paulo, em matéria intitulada “Terra não terá explosão populacional, diz a ONU” (05/02/98, pag.1-14), da jornalista Cláudia Pires, de Nova York, afirma:“Depois de anos de previsões sobre uma possível explosão populacional na Terra, demógrafos e outros especialistas no assunto acabaram concluindo que o risco de um planeta super-habitado está cada vem mais distante. Atualmente existem 5,7 bilhões de pessoas no planeta. De acordo com os especialistas, se os índices populacionais forem mantidos... o total populacional na metade do próximo século deve estar beirando os 9,4 bilhões. A cifra é a metade da prevista no início deste século.”

Malthus afirmava que o crescimento da natalidade era uma “bomba” demográfica e que o mundo chegaria ao ano 2000 com 20 bilhões de pessoas. Não chegou a 6,5 bilhões... Catastrofistas de plantão assustam a humanidade.

A Igreja sempre condenou esse controle drástico da natalidade, desde que a pílula anticoncepcional foi inventada, em 1967. Paulo VI que a combateu na “Humanae Vitae”, dizia que a Igreja é “doutora em humanidade”. Por não querer ouvir a sua voz, o mundo, mais uma vez, começa a chorar a falta de filhos; e vai chorar muito mais ainda; quem viver verá...

Não é justo e nem moral querer resolver os problemas da humanidade impedindo a vida de existir, e de proibir as pessoas de terem filhos. Dizia Paulo VI: “ Não se trata de diminuir o número de comensais, mas de aumentar a comida na mesa ”. A Igreja não aceita soluções fáceis para problemas difíceis, porque sabe que são inócuos.

Não tenho dúvida de que serão muito felizes os casais cristãos de nosso tempo, que tiverem a fé e a coragem de desafiar esta onda contraceptiva e tiver todos os filhos que puder criar, sem medo, sem comodismo e sem egoísmo.

Prof. Felipe Aquino. Doutor em Física, professor universitário, teólogo.

26 setembro 2006

Deturpações jornalísticas

Um dos maiores desafios para as famílias é conseguir uma adequada educação para a mídia. Por isso, nos dedicamos também a comentar o que acontece em todo tipo de mídia (TV, filmes, jornais, revistas, internet, etc). Publicamos abaixo um artigo muito interessante que recebemos no boletim dos Cooperatores Veritatis.

"É assim que se faz jornalismo?

A edição de 20 de setembro da Revista Isto é – considerada uma das três principais revistas semanais do Brasil – trouxe reportagem sobre o Papa Bento XVI. Intitulado “A suave rebeldia do Papa” o texto de Célia Chaim é desastroso: peca em originalidade e em veracidade. Enfim, é o mais triste exemplar do despreparo com que a imprensa brasileira – e grande parte da mundial – lidam com a temática religiosa.

A reportagem comete erros grosseiros que demonstram que a editora não tem o mínimo conhecimento da religião católica e, ainda assim, arvora-se no direito de analisar o papado de Bento XVI e questioná-lo. A mesma jornalista que afirma absurdos como o de que a primeira encíclica do Papa – Deus Caritas Est – serviu para nomear cardeais e que o sexto mandamento é “não matar”, questiona: “até quando a Igreja Católica será vítima da duradoura miopia do Vaticano, onde ainda prevalece a disciplina da Igreja e as costas viradas para o clero progressista?”

Além da total incompreensão da temática a que se propôs analisar, a reportagem assinada utiliza longos trechos de outras reportagens sem citar a fonte. O boletim Cooperatores Veritatis pesquisou e encontrou as fontes que foram (mal) utilizadas.

Cópia das palavras de Messori

Embora a editora não tenha dado nenhuma referência descobrimos que o seguinte trecho, no primeiro parágrafo, é uma cópia (em algumas partes, idêntica) das palavras do jornalista católico italiano Vittorio Messori.

Isto É:

“[o Papa] tem surpreendido muitos católicos, antes desanimados, com a simplicidade que marca seus esforços e decisões para tornar a Igreja menos "papacêntrica". Não quer que a Igreja se converta exclusivamente no homem que a guia. Procura ser o menos invasivo possível.”

Messori:

"Ratzinger quer tornar a Igreja menos ‘papacêntrica’. O carisma de Wojtyla, de alguma maneira, fez com que a Igreja se identificasse com um homem, mas Ratzinger procura ser o menos invasor possível. Não quer que a Igreja se converta exclusivamente no homem que a guia".

A entrevista de Messori – de onde saíram estas palavras - ao jornal italiano Corriere della Sera pode ser encontrada traduzida em ACI Digital (www.aciprensa.com)

Na encíclica ‘Deus é Amor’ o Papa nomeou cardeais?

O que segue – no segundo parágrafo da reportagem – é de uma ignorância inacreditável. Compare o que foi escrito – novamente sem citação – com o original (uma reportagem da BBC Brasil).

Isto É:

“As mudanças iniciadas por Bento XVI tiveram um marco: a encíclica Deus é amor, lançada no começo do ano. No documento, ele nomeia 15 novos cardeais e começa a mexer na poderosa cúpula romana.”

BBC Brasil:

“O papa Bento 16 divulgou o seu primeiro documento - a Encíclica "Deus é Amor" -, nomeou 15 novos cardeais e começou a mexer na poderosa Cúria Romana.”

“Não matar” é o quinto ou o sexto mandamento?

Neste próximo fragmento – de uma entrevista do Papa no mês de agosto à Radio Vaticano - o leitor atento se dará conta que há uma informação equivocada quanto ao mandamento “não matar”, que é o quinto e não o sexto. Mas ela está citando o Papa. Será que foi o Papa que errou a ordem dos mandamentos? Leia os dois textos e veja o que aconteceu.

Isto É:

“No que se refere ao aborto, ele [o Papa] recorre ao sexto mandamento – não matar – para reforçar sua condenação”.

Papa Bento XVI:

“No que se refere ao aborto, ele não entra no sexto, mas no quinto mandamento: "Não matar!". E isso nós devemos pressupor como óbvio, reafirmando sempre que a pessoa humana tem início no seio materno e permanece pessoa humana, até seu último suspiro. Por isso, deve ser sempre respeitada como pessoa humana”.

A ‘cegueira’ do Papa! Quem viu?

Em seguida retorna à entrevista do Papa (como se tivesse se referindo a outra entrevista, quando em verdade é a mesma). Aqui ela questiona a “cegueira” do Papa em relação aos problemas da África, citando um recorte de uma resposta de Bento XVI. Veja mais abaixo a resposta completa do Papa onde pode se notar sua preocupação ampla com a problemática africana.

Isto É:

“Numa de suas raras entrevistas, foi indagado sobre outro ponto polêmico no comportamento da Igreja Católica em relação a problemas cruciais como, por exemplo, a fome, a miséria, as epidemias. “Em toda a África e também em muitos países da Ásia temos uma grande rede de escolas de todos os níveis onde, antes de tudo, se pode aprender, adquirir verdadeiro conhecimento profissional e, com isso, obter autonomia e liberdade.” Seus críticos não o perdoaram por tamanha cegueira em relação a um povo faminto até a alma. Foi um grande deslize, para muitos imperdoável a um pastor bem-intencionado. “Foi uma demonstração de que ele ainda não se livrou completamente do elitismo de seus antecessores”, comentou um jornal italiano”.

Bento XVI:

“Nós necessitamos de duas dimensões: é preciso, ao mesmo tempo, a formação do coração – se posso assim me expressar – com o qual a pessoa humana adquire as referências e aprende, assim, a usar corretamente a técnica, que também é necessária. E é isso que procuramos fazer. Em toda a África e também em muitos países da Ásia, temos uma grande rede de escolas de todos os níveis, onde, antes de tudo, se pode aprender, adquirir verdadeiro conhecimento e capacidade profissional, e, com isso, obter autonomia e liberdade. Nessas escolas, procuramos não apenas ensinar o know-how, mas também formar pessoas humanas que queiram reconciliar-se, que saibam construir e não destruir, e que tenham as referências necessárias à convivência. Em grande parte da África, as relações entre muçulmanos e cristãos são exemplares. Os bispos formaram comissões conjuntas, com os muçulmanos, para buscar estabelecer a paz nas situações de conflito. E essa rede de escolas, de aprendizagem e de formação humana, que é muito importante, é completada por uma rede de hospitais e de centros de assistência, que alcança, de maneira capilar, até mesmo as aldeias mais remotas. E em muitos lugares, depois de todas as destruições da guerra, a Igreja permanece como único poder intacto - não poder, mas realidade! Uma realidade onde se tratam também os doentes de AIDS, e onde, por outro lado, se oferece uma educação que ajuda a estabelecer as justas relações com os demais. Por isso, creio que deveria ser corrigida a imagem segundo a qual semeamos, em torno a nós, somente rígidos "Não!". Exatamente na África, se atua muito, para que as diversas dimensões da formação possam se integrar e, assim, se torne possível superar a violência e também as epidemias, entre as quais precisamos incluir também a malária e a tuberculose”.

25 setembro 2006

Adoção por pares homossexuais?

Fui convidado a participar de uma banca de monografia, trabalho apresentado por estudantes universitários como requisito para sua graduação em Direito. A aluna defende a "possibilidade de adoção por pares homoafetivos".

O tema é muito amplo, mas acho interessante expor algumas idéias apresentadas não só no trabalho monográfico em si, como também nos debates sobre o assunto.

Há um argumento favorável à adoção por pares homossexuais segundo o qual a lei proíbe discriminações, e a não concessão da adoção a eles seria uma forma de discriminar. Citam, como fundamento jurídico desse argumento, o art. 5o da Constituição, segundo o qual "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...".

Mas quem assim argumenta se esquece que a própria Constituição faz inúmeras distinções entre pessoas. Privilegia o consumidor (art. 5o, XXXII), protege o trabalhador (art. 7o), dá tratamento diferenciado à microempresa (art. 146, III, d), ampara a criança e o adolescente (art. 227), o idoso (art. 228), os índios (art. 231), a mulher (art. 5o, XX, art. 201, §7o, a), e tantas outras distições.

É que as diferenças são naturais entre os seres humanos e entre as realidades sociais, de maneira que tratá-los todos de maneira formalmente igual é que seria uma injustiça. Basta pensar se seria justo tratar igualmente as crianças e os adultos.

No caso da adoção por pares homossexuais, a questão é discutir se há distinções objetivas que justifiquem tratamento diferenciado com relação aos casais heterossexuais. Friso que me refiro a questões objetivas, e não meramente sentimentais. No que tange ao mundo jurídico o que importa é discernir a "função social", ou seja, a repercussão que tais relações possuem para a vida social.

Por que a amizade especial entre um homem e uma mulher, caracterizada entre outras coisas pela relação sexual entre eles, é regulada pelo Direito? Por que outros tipos de amizade não o são? Pensemos no namoro ou na amizade entre amigos, pois são exemplos de relacionamentos humanos em que há algum vínculo de afeto, mas que são irrelevantes para o Direito. Dessas relações, não surgem direitos e deveres próprios. O que transformou a relação entre homem e mulher em uma relação jurídica, enquanto que as demais permaneceram apenas ao nível de relação social?

Quer-me parecer que a eventual geração dos filhos (e sua educação) atrai o olhar do Direito sobre a relação homem-mulher, pois é uma característica que demonstra a relevância social dessa relação. Já as demais relações mencionadas (namoro, amizade), embora possam envolver níveis intensos de afeto, não apresentam essa mesma relevância.

Portanto, devemos nos perguntar se uma amizade entre dois homens ou entre duas mulheres (quer se reúnam para debater temas filosóficos, para torcer juntos por um time de futebol, ou para compartilhar uma vida sexual) tem a mesma relevância social ou deve ser tratada juridicamente como a relação heterossexual típica do casamento (ou união estável).

Um segundo argumento recorrente, e que aparece na citada monografia, poderia se expressar na seguinte pergunta: "qual a melhor solução para o menor? Ser inserido em um lar homossexual ou permanecer abandonado?"

Esse argumento me parece falacioso por apresentar um falso dilema. Apresenta a situação como se somente duas possibilidades pudessem acontecer: ou permitimos sua adoção por casais gays ou condenamos tais crianças a serem perpetuamente abandonadas.

Nada mais falso. A verdade é que são muitos os casais hetero querendo adotar, as filas não páram de crescer. Para cada casal homo, certamente devem haver mais de 20 hetero nas mesmas situações. O problema é que a maior parte das crianças em instituições ou nas ruas têm pais, e dificilmente a justiça lhes retira o poder familiar, procurando (como é natural) uma reinserção da criança no seio de sua família de origem. Pobreza, em si mesma, não é motivo para retirar o poder familiar dos pais.

Por fim, ouvimos freqüentemente este outro argumento: "muitos casais homossexuais cuidam de seus filhos melhor do que muitos casais heterossexuais".

Trata-se de outro argumento falacioso. No que pensam exatamente as pessoas que argumentam assim? Se você pedir para que expliquem melhor, costumam dizer algo como: "há casais heterossexuais violentos, indiferentes, enquanto há homossexuais amorosos e presentes". Mas, então, a comparação que estão fazendo é entre violentos e amorosos, entre indiferentes e presentes, e não entre homossexuais e heterossexuais. Para se fazer uma comparação equilibrada, devem comparar um homossexual amoroso com um heterossexual amoroso; um homossexual indiferente com um heterossexual indiferente. Do contrário, a comparação é arbitrária e desonesta.

É necessário que o debate acadêmico continue e se aprofunde, afastando equívocos e assumindo tudo o que for realmente conforme a justiça.

Esterilidade. De quem?

Conheci um casal que me fez refletir bastante. Estão casados por um tempo suficiente para as pessoas deixarem de perguntar "como vai essa vidinha de casados", para passarem àquela outra pergunta típica: "e quando vem o filho?". Ninguém sabe, mas ele é estéril.

É comum que o homem estéril se sinta menos homem, impotente, e por isso transforma o tema em um tabu. É o que acontece com esse marido que, com a cumplicidade da mulher, esconde de todos (inclusive sua própria família de origem) essa sua "deficiência".

Mas o que me fez mesmo refletir foi uma confidência feita pela mulher, quando falava da decisão que haviam tomado de adotar um filho. Ao lado de seu marido, ela me dizia que muitas vezes "joga na cara" dele a esterilidade, faz cobranças, e no calor de alguma discussão se coloca como vítima inocente diante de uma tragédia conjugal que tem um único culpado: ele.

A primeira coisa que me veio à mente quando ouvi essa confidência foi relativa à minha própria experiência. Quando os exames médicos apontaram minha infertilidade, a Juliana, que era então minha namorada, imediatamente assumiu a coisa como também dela. Na verdade, a infertilidade não era "minha", não era "dela". Era nossa. Jamais me culpou por nada, jamais se vitimizou. E isso foi uma inspiração muito forte para eu me reconciliar com a infertilidade, de modo que jamais me senti menos por causa dela. Simplesmente, me parecia um convite a pensar em minha vida numa perspectiva diferente daquilo que eu imaginara até então. Começava a amadurecer (eu com meus 20 anos,ela com 18) a idéia da adoção.

Acredito que em vários aspectos, marido e mulher precisam aprender a criar uma verdadeira "comunidade de vida e amor", de modo que os dois se vejam como um só. Se é verdade - como sinceramente acredito e vejo acontecendo com outros - que marido e mulher são capazes de formar "uma só carne", então também estão chamados ao desafio de ultrapassar uma relação "eu"-"tu", para construir juntos um "nós" em que cada um se sinta verdadeiramente em casa.

Não que marido e mulher percam a individualidade, é claro. Mas o amor conjugal (especialmente quando alentado pela graça do Altíssimo) tem uma força misteriosa que é capaz de unir de forma íntima a mente e o coração dos dois, de modo que podem ser capazes de pronunciar um "nós" que reflita, de fato, essa comunhão.

Enquanto a esterilidade for só "dele" ou só "dela", acho que o casal não conseguiu dar um passo importantíssimo para que possa tomar uma decisão madura quanto à adoção. Na verdade, acho que ainda não deu o salto qualitativo em sua vida conjugal. Ambos precisam aprender a compartilhar não só aquilo que têm, mas principalmente aquilo que são. Enquanto um não compartilha a si mesmo com o outro, ou enquanto o outro não o acolhe verdadeiramente, então talvez ainda estejam formando apenas um "grupo", mas não uma "comunidade".

O Espírito Santo, que tem o poder de arrancar tudo aquilo que divide, nos ajuda a realizar aquilo que nossas famílias já são, e que está latente como um desejo profundo do nosso coração: viver uma intensa comunhão de vida com alguém, e a partir daí frutificar nos filhos. Desejo àquele casal que possam experimentar essa força unificante do Espírito, pois são pessoas boas, que se esforçam sinceramente. Tenho certeza que passarão por esse período e poderão acolher o filho que tanto desejam, mediante a adoção.

24 setembro 2006

O cansaço e a vida cotidiana

Chega-se cansado em casa. O cansaço é legítimo. O mau humor, não. Convém lembrar que o homem cansado é propenso ao mau gênio, já que tem as defesas baixas e os nervos destemperados.

O cansado tende ao hermetismo. Não é comunicativo.

É preciso dar ao cansado um tempo para decantar as fadigas e preocupações de um dia de trabalho. Deve-se permitir ao guerreiro deixar suas armas, desmontar e recompor-se.

Procura desfazer-se o quanto antes de sua mercadoria. Interrompe quando não deve, tem mais pressa quanto mais deve esperar. É a hora heróica dos pais.

O carinho dos filhos vale mais que o esgotamento.

Ao chegar em casa, nenhum pai pode abrir a porta e dizer: "Missão cumprida". Se ele acha que a casa é o lugar das compensações egoístas, um pai de família se perdeu. A recompensa verdadeira é a de ver-se rodeado por afeto.

O carinho dos filhos não é um carinho abstrato, teórico. É tangível. Percebe-se. Toca-se. Os olhos das crianças estão dizendo: "Seja meu pai. Tu és forte, mais forte que o cansaço". Isolar-se dos filhos ao chegar em casa é dizer-lhes: "Vocês não me interessam".

Um pai sempre cansado ou que pede que o tratem como um homem cansado, é um pai enfermo. A casa não é uma clínica de repouso, onde se cuida religiosamente do silêncio para não atrapalhar os pacientes.

O lugar onde descansa o papai não é "zona de hospital", como tampouco a sala de estar deve ter o cartaz de "crianças jogando". Quando os filhos são pequenos são como brinquedos do pai. Quando se está de bom humor, lhes dá corda. Quando o jogo cansa ou aborrece, lhes guarda ou lhes arquiva. Em muitos casos, a televisão serve, lamentavelmente, de arquivo.

Se os filhos são considerados um incômodo porque perturbam o descanso do pai, exige-se à mãe que os faça evaporar para que não criem problemas. O guerreiro considera que já teve suficientes aborrecimentos em seu trabalho, ofício ou negócio.

Cultivar a vida familiar

A vida familiar deve ser cultivada, sob o risco de que se torne um campo abandonado. Incrementa-se com a conversação, com as celebrações, com ritos familiares, com tradições, com uma linguagem que tem pontos de referência comuns.

Sem vida de família, passa-se do trabalho ao trabalho como por um túnel. Agradeçamos que a jornada se interrompa para estar com os que se ama.

O cansaço de uma jornada dura se recupera na vida em família. A graça do filho pequeno faz mudar a vista cansada. Em casa não nos aceitam por nossa eficácia nem por nosso rendimento: nos acolhem com carinho. E a vida em família é mais amável quando é enfrentada com amabilidade, quando não impacienta a avidez de um filho por contar suas coisas, a do outro que assalta com pedidos, a de um terceiro... O lar não é um monastério onde se ouve o silêncio. As crianças não são objetos imóveis que fazem parte da decoração. A casa não é casa de repouso para doentes dos nervos. O carinho torna amáveis até as interrupções.

(Tirado de Cristo Hoje, de Diego Ibañez Langlois)